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Uso facultativo de máscaras em crianças é alvo de críticas e questionamentos

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Marcelo Oliveira (arquivo Diário)

No último sábado, o governo do Estado publicou um decreto que altera as medidas de proteção contra a Covid-19 para o público infantil. De acordo com o documento, o uso de máscaras para crianças menores de 12 anos deixa de ser obrigatório no Rio Grande do Sul. Apesar de estar embasada em um parecer técnico, a decisão foi alvo de críticas pela comunidade científica e educacional.

ENTENDA OS ARGUMENTOS DO ESTADO

Os argumentos utilizados pelo Estado constam no parecer técnico assinado pelo Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs), da Secretaria Estadual da Saúde (SES). Um dos pontos levados em conta para desobrigar o uso da máscara para as crianças entre 6 e 11 anos refere-se à falta de "evidências robustas" que comprovem o benefício da obrigatoriedade da utilização do material de proteção em algumas faixas etárias. Também foi considerada a capacidade dos pequenos de manipularem as máscaras.

Outra questão é o percentual de vacinados. Segundo o monitoramento da SES, 44,2% das crianças entre 5 e 11 anos estão imunizadas com a primeira dose.

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Um último aspecto da decisão refere-se a uma hierarquização das legislações vigentes. Na prática, o Estado não tem autonomia para editar decretos que não estejam em conformidade ou se enquadrem acima das leis nacionais. Com relação ao uso de máscara, a Lei Federal nº 13.979/2020 estabelece a obrigatoriedade do material para toda a população, com algumas exceções.

Na contrapartida, o parecer técnico da SES entende que a legislação está desatualizada. O governador Eduardo Leite (PSDB) afirmou, inclusive, que já instigou o governo federal para uma mudança, mas não obteve resposta:

- Cheguei a provocar o governo federal por conta da legislação que estabelece a desobrigação do uso de máscaras apenas para crianças com menos de 3 anos, mas parece não haver disposição federal para a alteração da lei.

CRÍTICAS DA COMUNIDADE CIENTÍFICA

A publicação do decreto repercutiu na comunidade científica. Infectologistas apontam que orientações do parecer técnico são defasadas e que o índice vacinal do público infantil é baixo para desobrigar a máscara.

Em entrevista à CDN, a médica pediatra e infectologista Maria Clara Valadão avaliou que este não é o melhor momento para flexibilizar as medidas sanitárias, principalmente em função das festas de Carnaval e da volta às aulas. Nas escolas, ela acredita que a máscara seria uma aliada extra para evitar novos surtos.

Com relação ao possível uso inadequado do material pelas crianças, a infectologista relatou que não observa isso nos atendimentos diários:

- Quem trabalha com criança, vê que é uma faixa etária que adere muito bem à máscara. No meu consultório, as crianças entram, permanecem e são examinadas de máscara.

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Para Maria Clara, o principal aspecto que deveria estar em discussão é o percentual de vacinação.

- Se a população pediátrica tivesse um nível maior de vacinação, talvez fosse realmente um momento mais tranquilo para não obrigar o uso da máscara. Infelizmente, a realidade é outra. As crianças têm chance de adoecer. Por menor que sejam os índices, elas ainda têm risco de complicações e morte - explica Maria Clara.

O alerta também é ancorado pelo médico e infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Alexandre Zavascki. Ele lembrou que o próprio governador, Eduardo Leite, já havia mencionado nas redes sociais sobre a baixa adesão das crianças à vacinação e o aumento da ocupação de leitos pelo público infantil. Nesse sentido, para o médico, é contraditório por parte do Estado adotar essa medida agora.

Nas redes sociais, Zavascki ainda apontou vários equívocos e contradições no parecer técnico.

- Em suma, o parecer técnico do decreto apresenta razões claras para o uso da máscara. Sobre obrigatoriedade, omite as recomendações atualizadas de algumas entidades sobre o uso de máscaras entre 6-11 anos e se utiliza de um posicionamento defasado da OMS sobre uso nesta faixa etária - escreveu o médico no Twitter.

O posicionamento defasado que Zavascki cita refere-se à uma fala da secretária da Saúde, Arita Bergmann. Na oportunidade da publicação do decreto, ela reiterou que a mudança segue as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS).

NOTA DE REPÚDIO

Diversas associações voltadas para a educação se reuniram com algumas entidades de saúde e se posicionaram contrárias ao decreto. Confira uma parte da nota de repúdio:

Com uma semana de aulas presenciais, os registros de casos positivos para a Covid-19 já extrapolam as projeções mais negativas - consequência da baixa cobertura vacinal para a faixa etária de 5 a 11 anos, aliada à alta taxa de transmissão da variante Ômicron. A esses casos se somarão aqueles resultantes das aglomerações do feriado de Carnaval. Por tudo isso, o decreto do governador é inaceitável. Ainda mais que tal decisão foi tomada sem ouvir os órgãos e autoridades de saúde e de educação públicas do Estado, muito menos as representações de trabalhadores e do controle social.

Leia a nota na íntegra aqui.

A nota foi assinada pelas seguintes entidades: Conselho Estadual de Saúde (CES/RS), Cpers Sindicato, Associação Mães e Pais pela Democracia, Associação Vida e Justiça em Defesa dos Direitos das Vítimas da Covid-19, Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico), Conselho Regional de Enfermagem do Rio Grande do Sul (Coren-RS), Conselho Municipal de Saúde/ Porto Alegre, Sindicato dos Enfermeiros no RS (SERGS), Sindisaúde-RS.

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O vice-diretor do 2º Núcleo do Cpers, de Santa Maria, Lucio Ramos, entende que a decisão é contraditória diante dos baixos índices de vacinação no Estado. Ele ainda aponta as consequências para as escolas:

- Isso vai criar uma insegurança total na comunidade escolar porque vamos ter dentro de uma mesma turma crianças com máscara e outras sem. Mesmo que diga no decreto que o uso é com a supervisão de um adulto, eu (professor) não vou poder obrigar a criança a usar caso a mãe ou pai tenha dito que não é necessário. Nós (Cpers) somos totalmente contrários e entendemos que o governo tem que rever o decreto.

Já o Sindicato do Ensino Privado do RS (Sinepe/RS) orienta que as escolas particulares avaliem a situação da pandemia em cada localidade, levando em conta o percentual de casos e de vacinados para decidir se devem retirar ou não o uso das máscaras nas salas de aula.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A Associação de Mães e Pais pela Democracia ajuizou, na última segunda-feira, uma ação civil pública, que aponta a ilegalidade do decreto estadual. A entidade reforça que a legislação não está em conformidade com a Lei Federal nº 13.979/2020, assim como, não segue a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). O órgão já decidiu que Estados e municípios não podem criar medidas sanitárias mais flexíveis àquelas que estão vigentes.

A presidente da associação, Aline Kerber, reitera que, na prática, o decreto pode dificultar a gestão da escola e o trabalho dos professores.

- Tem ilegalidade e tem motivos do ponto de vista da saúde e da educação para que esse decreto seja revogado. Nós vamos seguir lutando na justiça - salienta Aline.

A ação civil pública já foi reconhecida pelo judiciário, que delimitou um prazo de 72 horas (iniciado na segunda-feira) para que o Estado se manifeste sobre o tema.

*Laura Gomes

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